De acordo com as investigações da força-tarefa da Lava-Jato, companhias ligadas ao empresário Mário Peixoto, preso nesta quinta-feira na Operação Favorito, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, tiveram contratos com o governo do Estado do Rio renovados já na atual gestão, de Wilson Witzel. Um exemplo citado pela PF é a Rio de Janeiro Serviços e Comércio Ltda, que, segundo relatório, renovou um contrato com a Fundação Estadual de Saúde no valor de R$ 27 millhões para fornecer funcionários terceirizados em unidades hospitalares.

A atuação do grupo, relatam os investigadores, não se limitava à Secretaria estadual de Saúde no atual governo. No relatório, a investigação aponta que propinas teriam sido pagas à Átrio Rio, que pertence a Peixoto, para que contratos fossem renovados entre empresas ligadas ao grupo e a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), no valor de R$ 36 milhões, e Detran, no valor de R$ 26 milhões. A Polícia Federal desencadeou a ação desta quinta-feira devido a indícios de que o grupo estaria destruindo provas. A própria Átrio Rio, afirma o documento, também tem contratos com a Fundação de Saúde, da qual recebeu R$ 4 milhões apenas entre os meses de janeiro e março deste ano.

As informações foram obtidas pelos investigadores através de interceptações telefônicas de um dos envolvidos no esquema, que fala sobre o pagamento de propinas, no dia 9 de abril, a um agente do estado não identificado. Trata-se de Luiz Roberto Martins. Preso na quinta-feira em Valença, com R$ 1,6 milhão em casa, Martins é tido como operador financeiro de Peixoto. O diálogo acontece entre ele e uma pessoa identificada como Elcy, que, policiais e promotores acreditam, seria funcionário da Câmara de Vereadores de Valença. Entre os contratos que foram renovados com o grupo, estava um com a Átrio Rio, renovado um mês antes desta conversa, com a Faetec. Por dispensa de licitação, a empresa foi contratatada por R$ 36 milhões para gestão administrativa da Fundação.

Luiz Roberto Martins:‘’Botou uma tropa de choque para trabalhar. (...). Tá pagando um cachezinho, aquele cachezinho básico R$ 500 mil para um, R$ 1 milhão para outro. Ele não é brincadeira não. Só de janeiro e fevereiro são dois emergenciais. Um na CST tecnologia, na Faetec de 35 milhões de reais na Atrio (um milhão a menos do que informa a PF) e outro de R$ 26 milhões no Detrab. Ele não tem jeito, é do caralho (...)’’

Elcy:‘’Os caras são malucos, terríveis porra. Não tendo emergência não tendo nada eles já aprontam, imagina..’’

A ação do MPF e da PF enviada à Justiça cita ainda outras empresas ligadas a Mário Peixoto com contratos com o estado, renovados no atual governo. Uma delas é a Rio de Janeiro Serviços e Comércio Ltda, que renovou vínculo em 2019. Tem validade até o fim deste ano, também, um outro contrato celebrado com a Fundação Estadual de Saúde no valor de R$ 27 milhões para fornecer funcionários terceirizados em unidades hospitalares. Entre os sócios da empresa, estão Alessandro de Araújo Duarte e Cassiano Luiz. Alessandro é apontado como um dos operadores financeiros de Peixoto, enquanto Cassiano é tido como braço direito do empresário. Ambos possuem vínculos com a Átrio Rio.

"As provas demonstram que os contratos das empresas de Mário Peixoto com o Estado do Rio de Janeiro e diversos municípios permanecem ativos e em franco crescimento, com vultosos pagamentos recebidos mês a mês, havendo, ainda, provas de que tais contratos são mantidos em decorrência do pagamento de vantagens indevidas a funcionários públicos’’, diz um trecho da representação do Ministério Público Federal à Justiça.

Procurado pela reportagem, o governo do estado respondeu em nota que, por determinação de Witzel, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) encaminharam nesta quinta-feira ofício solicitando à Justiça Federal informações sobre empresas e pessoas envolvidas na operação para auditar e analisar todas as suspeições levantadas pelo Ministério Público Federal.

Em meio à pandemia:Grupo de empresário preso tentou expandir negócios com hospital de campanha

O estado também afirmou que "todos os contratos celebrados pelo Governo do Estado com as empresas envolvidas serão auditados pela CGE, para verificar as possíveis ilegalidades e danos aos cofres públicos. Também serão feitos cruzamentos de contratos sociais das empresas para identificação de conluios entre as mesmas e seus sócios. Enquanto durar a auditoria da CGE, todos os pagamentos aos fornecedores fiscalizados serão suspensos e, caso sejam encontradas irregularidades, os contratos serão cancelados".

— Apoio as investigações que estão sendo realizadas pelos órgãos de controle e que estão identificando irregularidades. É inadmissível que pessoas queiram cometer ilícitos, principalmente neste momento de pandemia e de luta pela vida de milhares de pessoas —, reiterou o governador Wilson Witzel, por fim.

Contratos emergenciais com a Faetec

Na ação, é citado também um depoimento feito à Polícia Federal pelo ex-presidente da Faetec, Carlos Fernando Riqueza Marinho, no fim de 2019, na condução de testemunha. No depoimento, Riqueza ‘’deixa claro que havia uma pressão política dentro da Faetec para que fossem assinadas injustificadamente as sucessivas renovações de contratos emergenciais com as empresas de Mário Peixoto". E que o vice-presidente da entidade, Gilson Carlos Rodrigues Paulino, teria agido deliberadamente para postergar o andamento dos processos licitatórios que o declarante tentava realizar, dizendo-se “apadrinhado” por Mário Peixoto.

As informações foram obtidas pela PF com base em interceptações telefônicas e a quebra do sigilo telemático autorizadas pela Justiça. Entre o material encontrado com o empresário Alessandro de Araújo Duarte, também estavam as planilhas para a montagem dos hospitais de campanha do estado no Rio. Alessandro e Cassiano eram procuradores das contas da Átrio Rio.

Hospitais de campanha
Além de Alessandro, outro integrante do grupo de Peixoto também teve acesso às planilhas dos hospitais de campanha, conforme relatado no texto do MPF e da PF enviado à Justiça. Juan Elias Neves de Paula, apontado como contador do grupo, teve acesso a informações detalhadas sobre os custos operacionais do serviço. Dos sete hospitais de campanha delegados pelo governo do estado ao Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), as planilhas mostram que apenas no Maracanã deve ser gastos R$ 251 milhões. Do total de R$ 876,4 milhões, nada menos que R$ 402 milhões seriam em despesas com pessoal e R$ 336,5 milhões para o fornecimento de equipamentos médicos.



Segundo os documentos, todas as unidades deveriam estar em funcionamento no fim do mês passado. Hoje, apenas a unidade móvel do Maracanã abriu, mesmo assim com uma parte dos leitos disponíveis. As demais ficam em São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Friburgo, Casemiro de Abre e Nova Iguaçu. Os investigadores reconhecem que o grupo econômico de Mário Peixoto não está formalmente ligado à Organização Social Iabas.

Inicialmente, as investigações serviriam de elemento para pedidos de prisão preventiva contra os acusados apresentadas à Justiça em fevereiro. Mandados de busca e apreensão chegaram a ser expedidos em 19 de março, mas, quando a PF se preparava para cumpri-los, a pandemia da Covid-19 se agravou e a operação foi adiada. Por conta da constatação de que o grupo poderia estar influindo também na montagem dos hospitais de campanha, acabou sendo deflagrada a operação, apesar da crise provocada pelo novo coronavírus.

REPRODUÇÃO: O GLOBO


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